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A review by carolbrasnovo
Carcoma by Layla Martínez
5.0
apetece-me berrar e berrar e encontrar a Layla e ir ao pueblo da Layla e lá ficar, mas não podendo, fico só aqui a ter a certeza que este é um dos melhores livros que já li. é um dos meus livros preferidos.
as minhas avaliações são sempre muito mais pessoais do que analíticas ou de crítica literária, portanto têm a validade que têm - mas. mas este é simultaneamente o livro que eu queria ter escrito, que tento, em grande parte, escrever, e o livro que eu queria ter lido. não é fácil encontrar exatamente o livro que se quer ler, ou ler-se um livro e ele ser exatamente o que se queria, mas aqui está ele. há várias coisas a dizer; sendo que começo por repetir uma delas - queria que isto fosse meu. mais meu, pelo menos. queria chegar mais perto, porque Layla escreve tão bem que nos faz chegar tão, tão perto, mas não é suficiente, queremos mais. outra coisa: há sempre aqueles livros, que por razões muito diferentes, ao longo dos anos, quando acabados, deixam a sensação de "agora não vou encontrar nada igual para ler, e se não é igual não quero". alguns desses, para mim, foram a saga do Harry Potter (a pedra filosofal foi o primeiro livro que li, a sério, o primeiro livro depois dos livros de crianças), o ensaio sobre a cegueira e o memorial do convento, o remorso de baltazar serapião, do Valter Hugo Mãe, o the virgin suicides, do Jeffrey Eugenides, o crossroads do Franzen, o você nunca mais vai ficar sozinha, da Tati Bernardi, o lisboa, luanda, paraíso, da Djaimilia Pereira de Almeida, o oranges are not the only fruit, de Jeanette Winterson, o conto heat, da Joyce Carol Oates. são alguns, apenas, outros existem, mas estes aqui ficam para que Carcoma se possa juntar a estas obras que são corpos gigantes e pesados no meio da (minha) história; há um antes e um depois.
a narrativa, de trauma intergeracional, classe social, justiça, vingança, de bruxas, de enterros e desenterros, de homens em buracos e paredes, de aldeias, avós e netas e mães, de fantasmas de cada uma delas e fantasmas de espanha e do fascismo é tão bem contada que parece simples. mas não é simples, é só tão orgânica, carnal, crua, popular (digo, do povo, da terra, da aldeia, mesmo), desmascarada, que se cola à pele, que quando damos conta já é pele. Layla fala de entranhas e de como casas e famílias e entranhas são tudo parte do mesmo, e quando damos por nós também lá estamos, também nos abriram e meteram no meio das entranhas delas, somos as avós e as mães e as filhas e as sombras também. assim se fazem as famílias, destes rasgos e enchimentos. a autora faz de nós parte da família assim, rasgando-nos e cosendo-nos de volta.
não me parece haver outra forma de escrever sobre tudo isto sem ser como Layla o escreveu, e, digo também, não me parece poder ser escrito noutra língua que não o espanhol, exceto talvez o português (o volver, de Almodóvar, não podia ser de outro lugar senão de Espanha, não podia ser noutro idioma que não o castelhano). é algo que só se pode escrever assim, junto à terra, pegados ao chão, nestas cozinhas onde as abuelas nos fazem a mesma sopa até ao fim, e acho que só poderia entender essas palavras se escritas nestas duas línguas (que me perdoem todos os outros idiomas que não conheço e serão maravilhosos; não sei explicar este pensamento). talvez esta seja a review menos útil de sempre, mas finalizo dizendo que terminei o livro e pensei entendi, Layla, e não porque compreendi todas as palavras ou referências mas porque sei daquilo que ela fala, sei de onde ela fala, sei onde é, sei como é estar lá. de alguma forma ela falou de algo que algumas de nós conhecemos bem; ninguém o diz muito alto, mas conhecemos.
as minhas avaliações são sempre muito mais pessoais do que analíticas ou de crítica literária, portanto têm a validade que têm - mas. mas este é simultaneamente o livro que eu queria ter escrito, que tento, em grande parte, escrever, e o livro que eu queria ter lido. não é fácil encontrar exatamente o livro que se quer ler, ou ler-se um livro e ele ser exatamente o que se queria, mas aqui está ele. há várias coisas a dizer; sendo que começo por repetir uma delas - queria que isto fosse meu. mais meu, pelo menos. queria chegar mais perto, porque Layla escreve tão bem que nos faz chegar tão, tão perto, mas não é suficiente, queremos mais. outra coisa: há sempre aqueles livros, que por razões muito diferentes, ao longo dos anos, quando acabados, deixam a sensação de "agora não vou encontrar nada igual para ler, e se não é igual não quero". alguns desses, para mim, foram a saga do Harry Potter (a pedra filosofal foi o primeiro livro que li, a sério, o primeiro livro depois dos livros de crianças), o ensaio sobre a cegueira e o memorial do convento, o remorso de baltazar serapião, do Valter Hugo Mãe, o the virgin suicides, do Jeffrey Eugenides, o crossroads do Franzen, o você nunca mais vai ficar sozinha, da Tati Bernardi, o lisboa, luanda, paraíso, da Djaimilia Pereira de Almeida, o oranges are not the only fruit, de Jeanette Winterson, o conto heat, da Joyce Carol Oates. são alguns, apenas, outros existem, mas estes aqui ficam para que Carcoma se possa juntar a estas obras que são corpos gigantes e pesados no meio da (minha) história; há um antes e um depois.
a narrativa, de trauma intergeracional, classe social, justiça, vingança, de bruxas, de enterros e desenterros, de homens em buracos e paredes, de aldeias, avós e netas e mães, de fantasmas de cada uma delas e fantasmas de espanha e do fascismo é tão bem contada que parece simples. mas não é simples, é só tão orgânica, carnal, crua, popular (digo, do povo, da terra, da aldeia, mesmo), desmascarada, que se cola à pele, que quando damos conta já é pele. Layla fala de entranhas e de como casas e famílias e entranhas são tudo parte do mesmo, e quando damos por nós também lá estamos, também nos abriram e meteram no meio das entranhas delas, somos as avós e as mães e as filhas e as sombras também. assim se fazem as famílias, destes rasgos e enchimentos. a autora faz de nós parte da família assim, rasgando-nos e cosendo-nos de volta.
não me parece haver outra forma de escrever sobre tudo isto sem ser como Layla o escreveu, e, digo também, não me parece poder ser escrito noutra língua que não o espanhol, exceto talvez o português (o volver, de Almodóvar, não podia ser de outro lugar senão de Espanha, não podia ser noutro idioma que não o castelhano). é algo que só se pode escrever assim, junto à terra, pegados ao chão, nestas cozinhas onde as abuelas nos fazem a mesma sopa até ao fim, e acho que só poderia entender essas palavras se escritas nestas duas línguas (que me perdoem todos os outros idiomas que não conheço e serão maravilhosos; não sei explicar este pensamento). talvez esta seja a review menos útil de sempre, mas finalizo dizendo que terminei o livro e pensei entendi, Layla, e não porque compreendi todas as palavras ou referências mas porque sei daquilo que ela fala, sei de onde ela fala, sei onde é, sei como é estar lá. de alguma forma ela falou de algo que algumas de nós conhecemos bem; ninguém o diz muito alto, mas conhecemos.